Entrevista com os Produtores de Fire Emblem & Final Fantasy

Fire Emblem vs. Final Fantasy
Entrevista feita em Abril de 1994 para a revista Famitsu.



Repórter: Para começar, peço por favor que se apresentem.

Sakaguchi: Prazer em conhecê-lo, sou Hironobu Sakaguchi. Estava já há algum tempo ansioso para esse encontro, senhor Kaga.

Kaga: Da mesma forma eu, senhor Sakaguchi. Ouvi muito de você desde que iniciei meu trabalho.


Encontro entre Shouzou Kaga & Hironobu Sakaguchi

Repórter: Sakaguchi, é de nosso conhecimento que você a recém concluiu o desenvolvimento de Final Fantasy VI. Você já teve a oportunidade de jogar Fire Emblem: Mystery of the Emblem?

Sakaguchi: Iniciei somente, recentemente (risos)!
Estive muito concentrado no desenvolvimento de Final Fantasy 6 até sua finalização, e o novo Fire Emblem foi lançado durante a produção de nosso trabalho do sexto jogo da franquia da Squaresoft. Eu comprei o jogo no exato dia que foi lançado, mas eu sabia que se fosse iniciar, imediatamente, Fire Emblem: Mystery of the Emblem, isso iria interferir com meu trabalho em Final Fantasy VI, então o jogo sequer foi aberto na época, e esteve em minha mesa de forma lacrada, decorando o ambiente. Durante a parte mais intensa de nosso trabalho em Final Fantasy 6, me confortava pensar que “Em breve, quando meu trabalho estiver finalizado, poderei jogar o quanto eu quiser Fire Emblem”.

Kaga: Muito obrigado pelos elogios, senhor Sakaguchi (risos).


Detalhe do jogo mencionado por Sakaguchi.

Sakaguchi: De qualquer forma, quando meu trabalho finalizou, recentemente, eu comecei a jogar. Joguei até o capítulo 8, quando reconheci que eu estava desenvolvendo meus personagens de modo errado. Eu estava aumentando o nível de todos igualmente, e agora eu sei que esse método não é a melhor escolha em Fire Emblem. Eu também não obtive muitos itens escondidos no capítulo 2 e 3 por não ter em meu grupo o personagem *Navarre. Eu, acidentalmente, perdi seu recrutamento.

Nota:
Navarre é um personagem da classe Myrmidon que carrega, desde o início do jogo, a espada Killing Edge. Para recrutá-lo, é necessário que Caeda converse com ele, se não, ele será um adversário a ser combatido no campo de batalha.

Repórter: Você derrotou Navarre? Isso é muito impressionante (risos).

Sakaguchi: Sim, então decidi reiniciar o jogo desde o início. Tenho a impressão que já é a terceira vez que recomeço o jogo. É claro que agora eu consigo jogar mais rapidamente, por estar melhor adaptado ao estilo do jogo. Da última vez que joguei, passei quase toda a noite, chegando até o capítulo 8, que antes mencionei. É difícil, mas realmente compensador.

Continua...

O perfil de Shouzou Kaga: “Game Designer. Planejamento/roteiro/direção para a série Fire Emblem. Iniciou sua carreira há 10 anos, após vencer uma competição de programação oferecido pela revista Login.
Seu hobby é pesquisar sobre a história mundial militar. Vive em Kyoto”

Kaga: No desenvolvimento, enquanto balanceávamos o jogo, realmente pensamos que estivesse um pouco difícil. Mas se você pensar em uma boa estratégia, você pode progredir bem no jogo.

Sakaguchi: Toda a vez que eu morro com algum personagem, agora eu tenho reiniciando o console.

Kaga: Mesmo se você resetar o sistema, o contador de perdas ainda irá contar suas mortes anteriores.

Sakaguchi: Verdade? Talvez eu devesse então, apenas ter reiniciado desde o início novamente (risos).


Fire Emblem: Mystery of the Emblem

Repórter: E o que você acha da série Final Fantasy, senhor Kaga?

Kaga: O jogo que realmente me mergulhou dos pés à cabeça, foi Final Fantasy III. A minha obsessão com o terceiro título, coincidiu com o desenvolvimento do primeiro Fire Emblem para o Famicom, então eu sinto que houve muita influência do trabalho do senhor Sakaguchi em nosso primeiro jogo da série Fire Emblem.

Repórter: Sim, e um grande número de nomes de personagens de Fire Emblem e Final Fantasy são os mesmos. Muitos leitores têm feito essa observação para nós.

Kaga: Isso, provavelmente não foi intencional, mas quando você está em um mesmo gênero, com um material muito próximo do seu trabalho, pode haver essas coincidências, mesmo de forma inconsciente.

Sakaguchi: Sim, isso não é fácil (risos). Nós tivemos, na Squaresoft, o mesmo problema. O grupo de desenvolvimento de Osaka estava desenvolvendo o jogo Final Fantasy Mystic Quest, e estavam criando um personagem chamado Locke, que seria um ladrão no jogo.
Mas nós também já havíamos iniciado o projeto de Final Fantasy 6, e a ideia de Locke já estava pronta naquele momento, e ele também é um ladrão… opa, caçador de tesouros (risos). Ninguém dos dois times havia conversado sobre seus projetos até então, e foi assustador demais quando vimos nossos trabalhos na primeira vez em uma reunião global da empresa. O time de Osaka ficou perplexo dizendo, “Nossa!, vocês fizeram um personagem ladrão também chamado Locke?”

Repórter: Você mencionou Final Fantasy III. Eu achei o final do jogo incrivelmente difícil.

Kaga: Sim, a dungeon final é muito difícil. Você precisa continuar prosseguindo com lutas seguidas por mais de 2 horas sem avistar nenhum save point.

Sakaguchi: A ideia desse desafio partiu de vocês da Famitsu, para que realizássemos esse desafio. Lembro bem que Yoshida Sensha, chegou a fazer uma piada disso em seu mangá (risos).

Kaga: Sim, mas após reiniciar, sabe se lá quantas vezes, eu finalmente finalizei e consegui ver o final, e isso foi muito bom e confortante. Isso é o por que de eu não planejar jogos fáceis. Após você finalizar qualquer tarefa difícil com êxito na vida, a recompensa é muito melhor.


Final Fantasy 3

Continua...

Repórter: Quais são seus pensamentos da série Final fantasy como um todo?

Kaga: Eu tenho muita inveja do sistema de gameplay, os gráficos, as músicas… A SquareSoft está no topo de desenvolvimento de jogos na indústria. Seus jogos são fáceis de entender e qualquer um pode jogá-los sem nenhum problema. No início, a série Final Fantasy tinha um pouco desse espírito “Hardcore”, mas esses elementos foram aos poucos sendo refinados. O ponto que quero chegar é, eu penso que preciso aprender mais com eles, estudando suas concepções de desenvolvimento e o maior público que hoje eles conseguem alcançar.

Sakaguchi: Eu estou muito feliz em escutar isso o que você disse, Senhor Kaga.

Kaga: 2 anos atrás, quando eu estava produzindo Fire Emblem Gaiden, eu dei uma entrevista para Nakaji da Famitsu (na sua coluna “Fire Emblem”). Nós conversamos um pouco sobre Dragon Quest e Final Fantasy naquela ocasião. Eu lembro de dizer a ele que, entre as duas séries, eu preferia Final Fantasy, pois me parecia mais inovador comparado com Dragon Quest.
Quando Fire Emblem foi lançado para o Famicom, as análises foram, realmente muito ásperas. Todas as revistas de games deram notas muito ruins para o jogo. Não haviam muitos jogos naquele momento que combinassem elementos de Estratégia com RPG. Eu entendo que houve muita crítica não pela essência que o jogo trazia, mas sim por que o conceito do jogo era difícil de entender no mercado onde o RPG tradicional imperava, e devo reconhecer que, graficamente, o jogo não impressionava de jeito nenhum… Por essas razões, as reviews foram tão bruscas. Foi então que decidi, com base na inovação que me referi de Final Fantasy, aperfeiçoar sempre a série a cada lançamento, para que não tivéssemos a impressão de um mesmo jogo lançado ano após ano.
6 meses depois, Nakaji publicou sua coluna de Fire Emblem na Famitsu… E foi quando as coisas começaram a melhorar, e as vendas dispararam.


O Primeiro Final Fantasy Lançado.

Sakaguchi: Quando Fire Emblem foi lançado para o Famicom, isso realmente nos impressionou muito dentro da Squaresoft.

Repórter: Verdade?

Sakaguchi: Todos queriam saber que tipo de jogo era aquele. Muitos de nós, nunca havia jogado um RPG daquele tipo. Então a Squaresoft, quando o jogo foi lançado, decidiu comprar algumas cópias, e alguns departamentos começaram a jogar e estudar o seu desenvolvimento. Eu fui um dos que jogou, e devo dizer que não era um jogo fácil, mas eu sentia que havia algo muito especial ali inserido. E a partir de então, eu continuei jogando todos os jogos lançados!

Kaga: Sim, isso foi algo que marcou muitas pessoas, que realmente não foi fácil de aprender e que não foi fácil de assimilar. Por outro lado, uma vez que você entendesse e se adaptasse, era algo impossível de não gostar, e que fazia querer mais jogos da série.

Sakaguchi: Exatamente.

Repórter: Como quando se fica preso em uma areia movediça (risos).

Sakaguchi: Quando alguém se aproximava de onde nosso grupo estava testando novos jogos do mercado e me via jogando Fire Emblem, dizia algo como “Eu nunca joguei um jogo tão difícil como este”, (risos). Então eu dava algumas dicas, e semanas depois me diziam que haviam terminado. Posso dizer que converti muitos (risos).


O Primeiro Fire Emblem Lançado.

Repórter: O remake para Super Famicom de Fire Emblem teve algumas mudanças. Algumas das estratégias não funcionam mais.

Sakaguchi: Eu costumava ter um truque aonde eu utilizava magia Warp para enviar um personagem que eu queria aumentar o nível, para perto de um forte que ostentava arqueiros novos turno após turno. Eu cercava o forte de modo que os arqueiros não pudessem se mover, e como eles não podem atacar fora de 2 espaços, eu aumentava o nível de meus personagens o quanto eu queria sem sofrer nenhum dano.

Repórter: Essa estratégia é muito boa.

Kaga: Há estratégias em todos os mapas em todos os jogos da série. Para ser sincero, não há uma única estratégia correta, mesmo as presentes em guias de “detonados”, muitas vezes não são as mais ideais. Eu acho que descobrir sua própria estratégia, ainda é a melhor forma de jogar.

Continua...

O perfil de Hironobu Sakaguchi: “Ingressou na Squaresoft quando ainda era um estudante na Universidade Nacional de Yokohama. Logo após sua formação, tornou-se diretor de Desenvolvimento de Software, onde iniciou trabalhando em Final Fantasy 1. Atualmente, ele ostenta os cargos na empresa de Diretor de desenvolvimento de jogos e Vice-Presidente. Seu hobby são filmes. Ele vive em Tóquio”.

Repórter: Para encerrar, por favor, façam uma análise de seu próprio trabalho.

Kaga: Perder alguns de seus personagens não é um grande problema nos jogos da série Fire Emblem. Eu gostaria que todo o jogador pudesse criar sua própria história. Não fique desapontado ou com raiva em não conseguir um final perfeito. Apenas jogue e divirta-se!



Sakaguchi: Final Fantasy 6 é um jogo que você pode rejogar por muitas e muitas vezes: há inúmeras combinações de personagens, e você pode ensiná-los qualquer tipo de magia. De qualquer forma, para todos aqueles que compraram o jogo, estou ansioso que consigam finalizar e ver o final emocionante!



Fim.

Fontes de pesquisa:
http://shmuplations.com/
http://www.famitsu.com/

Tradução e adaptação por RPG Players em 22/05/2016.

[quote="Daniel"]
Sakaguchi: Sim, isso não é fácil (risos). Nós tivemos, na Squaresoft, o mesmo problema. O grupo de desenvolvimento de Osaka estava desenvolvendo o jogo Final Fantasy Mystic Quest, e estavam criando um personagem chamado Locke, que seria um ladrão no jogo.
Mas nós também já havíamos iniciado o projeto de Final Fantasy 6, e a ideia de Locke já estava pronta naquele momento, e ele também é um ladrão… opa, caçador de tesouros (risos). Ninguém dos dois times havia conversado sobre seus projetos até então, e foi assustador demais quando vimos nossos trabalhos na primeira vez em uma reunião global da empresa. O time de Osaka ficou perplexo dizendo, “Nossa!, vocês fizeram um personagem ladrão também chamado Locke?
quote]

Bacana.

Caramba muito massa essa entrevista. É muito interessante ver duas lendas dos JRPG's assim conversando e ver que um admirava e jogava os títulos um do outro e pelo visto não de maneira trivial e sim com profundidade. Sakaguchi tinha até uma estratégia marota pra upar os chars.

Outro ponto que acho interessante é ver que geralmente que os produtores de jogos fazem isso com prazer. Lógico que imagino que não sejam todos que produzam games assim com tanto amor, mais no geral vejo que é uma carreira onde quem está seguindo no geral sempre foi um jogador de videogame e ama o que faz. Tanto que os caras que são assim tem ou tiveram grande destaque na industria. Atualmente um grande exemplo disso é Hidetaka Miyazaki da franquia Souls.

Valeu, senhor @Rockman

@Mrlinx, Pior que eu fiquei surpreso também, enquanto traduzia, de saber da jogatina deles nos outros jogos de empresas. E, principalmente, creio até por essa parte de educação oriental deles e o ano que nasceram, da cordialidade com que conversavam durante a entrevista. Realmente um diferencial.

Tem uma entrevista do Miyazaki de 2009 se me recordo bem, nesse mesmo molde falando de Demons Souls. Em breve vou traduzir também

Daniel escreveu:

Valeu, senhor @Rockman

@Mrlinx, Pior que eu fiquei surpreso também, enquanto traduzia, de saber da jogatina deles nos outros jogos de empresas. E, principalmente, creio até por essa parte de educação oriental deles e o ano que nasceram, da cordialidade com que conversavam durante a entrevista. Realmente um diferencial.

Tem uma entrevista do Miyazaki de 2009 se me recordo bem, nesse mesmo molde falando de Demons Souls. Em breve vou traduzir também  

Opa essa entrevista do Miyazaki deve ser bem interessante também. Vi a história do cara em uns videos a um tempo atrás e é muito interessante ver a admiração que ele tinha pela From Software antes mesmo de ralar por lá. O cara é um grande fã da serie Kings Field que serviu de muita inspiração para a série Souls.

hehe, pior que a entrevista que tenho salva ele fala sobre isso mesmo, @MrLinx
O cara é muito bom mesmo, um talento raro nos dias atuais.

Não é à toa todo esse sucesso da série Souls alcançou, mesmo sendo um jogo que nem a maetade dos que compraram chegou a terminar (vulgo eu )

Mas mesmo com a dificuldade, se vê todo o grande trabalho impregnado

Daniel escreveu:

hehe, pior que a entrevista que tenho salva ele fala sobre isso mesmo, @MrLinx
O cara é muito bom mesmo, um talento raro nos dias atuais.

Não é à toa todo esse sucesso da série Souls alcançou, mesmo sendo um jogo que nem a maetade dos que compraram chegou a terminar (vulgo eu )

Mas mesmo com a dificuldade, se vê todo o grande trabalho impregnado

Sim @Daniel, o cara conseguiu ir refinando os elementos dos jogos que o inspiraram até encaixar tudo de maneira magistral. Lembro também que ICO é outra fonte de inspiração o que da pra se notar claramente também na série Souls. É um cara realmente diferenciado. Quando der poste a entrevista pra gente, vai ser bem legal ler e valeu por traduzir essa anterior.